A QUEDA DO EGOÍSTA JOHANN FATZER de Bertolt Brecht
Com Américo Silva, António Pedro Cerdeira, António Simão, Bruno Bravo, Élvio Camacho, Ivo Canelas, Joana Bárcia, João Cardoso, João Meireles, Joaquim Horta, José Neves, Luís Esparteiro, Luís Gaspar, Manuel Wiborg, Miguel Borges, Paulo Claro, Pedro Assis, Pedro Carmo, Pedro Carraca, Ricardo Carriço, Sylvie Rocha, Teresa Roby e Tiago Rodrigues Versão Heiner Müller Tradução Maria Adélia Silva Melo Cenografia e figurinos Rita Lopes Alves Assistência de cenografia Ana Paula Rocha Assistência de figurinos Lucha d´Orey Movimento João Fiadeiro Música José Eduardo Rocha Apoio vocal Luís Madureira Luz Pedro Domingos Produtor delegado Manuel João Águas Assistência de produção Teresa Couto Pinto Assessora de imprensa Marina Uva e Ivone Costa Operação de luz António José Martins Maquinistas José Pinho Calado Ribeiro, Manuel Fernando Abreu Oliveira, Orlando Humberto Aguiar, Pedro Miguel Gonçalves Alves, Isaac Oliveira Fotografia Susana Paiva Encenação Jorge Silva Melo assistido por Lucinda Loureiro e João Meireles.
Uma co-produção Artistas Unidos / Festival dos Cem Dias / Teatro Nacional D. Maria II.
Estreia no Teatro Variedades a 30 de Abril de 1998 (integrado no Festival dos Cem Dias).
Entre Rimbaud e Lenine, o coração envelhece. Se podemos dizer que Fatzer começa do lado da liga espartaquista (a recusa da guerra, a consciência da guerra de classses contra a ideia de guerra nacional, o elogio da deserção), irá acabar com o debate político levantado por Koch/Keuner: como criar a disciplina, como organizar um partido, como manter a revolta para além do gesto original. Como “crescer”. Estaremos então na passagem da “doença infantil do comunismo” ao “tudo pela produção” de Lenine? Entre o Outubro e A Linha Geral?
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Que Rimbaud conduz ao desespero do terrorismo é uma verdade daquelas que a tragédia Baader-Meinhof veio de novo evidenciar no derrubar do comunismo. A entrada na idade adulta é a aprendizagem da morte. Da morte própria, também. Mas, acima de tudo, o aprender a matar. Cresce-se matando dentro de nós e matando os outros. Diz-se em A Decisão de Brecht, diz-se em Mauser de Heiner Müller. Com “humildade”, diz-se em Fatzer.
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Fazer teatro para mim é tentar negar na prática diária a “democracia representativa” que, a mim, não me representa. Não aceito ser o “delegado” dos actores junto do Belo ou do Justo, não os represento junto da “totalidade da obra”.
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O trabalho que fazemos juntos (eixado desde o António, Um Rapaz de Lisboa nesse tema para mim fulcral que é o da “passagem da juventude à idade adulta”) é um trabalho, nesse sentido, basista. Como eu queria sermos um soviete. Organizarmo-nos (em “Conselho”) pela responsabilidade individual.
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Mas como fazê-lo, amigos, se, como diria Fatzer, depois de nós “só haverá vencidos”?
Jorge Silva Melo
No Arquivo-Brecht há cerca de quatrocentas páginas [do projecto-Fatzer], material difuso, umas vezes uma folha de papel só tem uma linha, outras vezes a página está toda escrita, pontos de partida para versões diferentes. Espalhei as quatrocentas páginas na sala onde estava a trabalhar, andei lá pelo meio e procurei o que ligava. Conforme me apeteceu, fui estabelecendo ligações, relações em que Brecht não podia ter pensado, um puzzle. O egoísta Fatzer, que era no início muito claramente uma figura de identificação para Brecht, tornou-se cada vez mais construído de versão para versão. Depois passou Koch a ser o protagonista. Na última versão, da qual só há um fragmento, Koch torna-se Keuner, Keuner como Lenine, o pragmático, o que tenta o possível. Koch, o terrorista, Fatzer, o anarquista, Koch/Keuner a ligação da disciplina e do terror.
Heiner Müller
Brecht despertou o melhor de Jorge Silva Melo e dos Artistas Unidos. Se o ciclo de Prometeu se ficar por aqui, pode dizer-se que Fatzer o encerrou com chave de ouro. E a programação teatral do Festival dos Cem Dias atingiu o seu momento mais alto.
Manuel João Gomes
Público, Maio 1998