AO OLHAR PARA TI (RENASCIDO) DE NOVO de Gregory Motton
Tradução Pedro Marques Com Isabel Muñoz Cardoso, Gracinda Nave e Jorge Silva Cenografia Rita Lopes Alves, Ana Paula Rocha e José Manuel Reis Luz Pedro Marques
Estreia Espaço A Capital/ Teatro Paulo Claro, 6 de Abril de 2000
“Abraão: Esta terra está cheia de mulheres belas, cheia de gente fina. O amor de uma boa mulher mantém os lobos afastado da tua porta.”
Gregory Motton, Ao olhar para ti (renascido) de novo
AO OLHAR PARA TI (RENASCIDO) DE NOVO: Abraão vem à cidade, à procura de fortuna e de mulher, abandonando a sua quinta com porcos, a sua vida no campo. Retrógado. Casa com Mrs James. Desde o casamento que é perseguido por dívidas antigas, que anda às voltas, de poiso em poiso. Vive na rua com a filha de Peragrin (filha de Falcão Peregrino), é um músico ambulante lembrando a vida que recusou: oito filhos espalhados por orfanatos, a mulher numa cadeira de rodas que vive na casa que era para ser deles, a falta de dinheiro para comprar comida, a assistente social e a polícia levando as crianças. Abraão alterna entre recordações da vida despedaçada do passado e o futuro maravilhoso perspectivado pela filha de Peragrin. A história que nos é contada não quer ter fim, quer ficar a olhar para nós, sempre, mais uma vez renascida. Por isso a estrutura da peça não tem fim. Aquilo que é apresentado são duas possibilidades poéticas que revelam o carácter onírico da peça. Abraão sonha com uma vida a três, construída em cima de nuvens feitas de ilusões desfeitas, rejeita a piedade e a gratidão, vive o sofrimento e a perseguição. Abraão e Dermot, é O’Driscoll, é o fundador da sociedade, ou seja, a própria sociedade: cheia de contradições, de armadilhas, de enganos. Vive constantemente no passado. A ordem das coisas deixou de fazer sentido. Já não há esperanças. A protecção de Mary James, mãe da sua família estilhaçada, a cigana que quer a “poesia do gotejar de uma torneira velha”, é o lado obscuro da cabeça de Abraão. Se quisermos podemos identificar Mary com a mulher escrava do Abraão bíblico. O outro lado da balança é a filha de Peragrin. Abraão vive nas ruas com o amor. Passa ao lado dele quase tragicamente. A miúda está grávida e transborda de vida e de amor. No final Abraão não reconhece o filho morto como se se horrorizasse só de pensar numa nova centelha.