ÀS DUAS HORAS DA MANHÃ de Falk Richter Tradução Carlos Borges Com Beatriz Antunes, Fábio Costa, Mafalda Taveira, Mariana Reis, Nuno Machado e Tiago Moreira Encenação Fernando Mora Ramos Produção Teatro da Rainha M14
No Teatro da Politécnica de 9 a 11 de Maio de 2024
MAX Uma ausência, / eu quero ser uma ausência, / uma interrupção, /o lugar vazio no sistema, / a falha
Falk Richter, Às Duas Horas da Manhã
Constanze perdeu o rastro a Tom, colega de trabalho com quem mantém uma relação amorosa. Tenta entrar em contacto com ele, mas do outro lado da linha recebe apenas um ruído estranho. Tom faltou a um encontro importante para a empresa, a firma que fizeram juntos, o seu bebé. Marc, alter-ego do Autor, hesita na construção das suas personagens, confunde-se com elas num desfile de dúvidas acerca da própria identidade: «Isto é a MINHA vida? Ou eu vivo-a POR UM OUTRO? EU SEREI UM OUTRO?» Timo encarna Helge Gonzensheimer numa entrevista de emprego. O guião sai-lhe ao lado. Lisa diz a Constanze que está grávida, levando-a ao desespero: «Tu não podes mesmo DESISTIR de tudo aqui, DE MIM e da FIRMA… isto aqui é como uma FAMÍLIA…» Max encontra-se à beira do abismo, sonha com «colegas cobertos de sangue sobre os seus portáteis». De um 42.º andar, Lisa contempla a cidade, reflecte acerca da frustração que a consome e da solidão em que se encontra. Tenta comunicar com os pais por Skype, mas eles são-lhe estranhos, não percebem nada.
Estreada em 2015, Às duas horas da manhã integra textos de dois trabalhos anteriores de Falk Richter: Unter Eis (Sob o gelo, 2004) e Trust (2009), a última co-encenada com a coreógrafa e bailarina Anouk van Dijk. São trabalhos em que se examina e se questiona a linguagem sem alma do meio empresarial, apontando-se lacunas e a disfuncionalidade de sociedades focadas em ideais de sucesso subordinados à lógica da eficiência económica. O que está em causa é o modo como o trabalho ou as carreiras profissionais se sobrepõem à vida íntima, esterilizando relações e congelando emoções.
Canções, diálogos fragmentários, palestras motivacionais, entrevistas de emprego que parecem sessões de psicanálise, uma coreografia de referências pulverizadas que convidam o espectador a unir as peças do puzzle. Eis a Geração Z, emaranhada na teia quotidiana do capitalismo selvagem, cativa de prisões invisíveis onde se funde e confunde o íntimo com o público, o pessoal com o profissional, o real com o virtual. Trata-se só de vender-se bem, como a dado momento diz Marc numa dessas palestras motivacionais com que se procura promover a eficiência.