DOIS HOMENS de José Maria Vieira Mendes (a partir de Kafka)

Dois Homens

DOIS HOMENS de José Maria Vieira Mendes
Com Luís Gaspar Figurinos Rita Lopes Alves Cenografia Ana Paula Rocha Luz Pedro Domingos Operação de luz José Rui Silva Direcção técnica José Rui Silva Fotografia Jorge Gonçalves Produção Catarina Saraiva e Helena Bragança Gil Um projecto de Luís Gaspar e José Maria Vieira Mendes

Estreia Antiga Fábrica Mundet do Seixal. (Seminário SEM DEUS NEM CHEFE 1), 3 de Outubro de 1998.
Teatro da Comuna em Abril de 1999.
Espaço A Capital em 27 de Janeiro de 2000.

O texto está publicado no volume Três Peças Breves (Edições Cotovia).

Fez-se uma colagem de diversos escritos de Kafka (contos, diários, cartas e romances), de olhos postos, não no Kafka excessivamente apontado como crítico ou caricaturista de regimes e instituições, mas no Kafka escritor do Indivíduio, nas suas quase obsessivas reflexões autobiográficas sobre o processo de escrita que sempre vinha acompanhado por um desejo inatingível de perfeição, culpa de quase tudo o que do escritor nos resta se ter ficado pelo fragmento incompleto.
[…]

O Funcionário deste monólogo poderia, também ele, ser mais um dos grandes K´s de Franz Kafka. Trata-se de um funcionário perdido num escritório morto, onde o tempo parou (onde todos os tempos existem), um funcionário que se faz centro de diversas narativas, quase todas elas por completar. Neste K., concentram-se, num turbilhão de reflexos, memórias, gestos aparentemente lógicos e palavras (bíblicas até), diversas personagens e narradores, vários Indivíduos que acabam por se acusar e ofender mutuamente, esquecendo-se que saem todos de uma só pessoa. E o discurso corre, naturalmente, sem um sujeito gramatical ou tempo verbal definido, numa hesitação titubeante que não é a de Kafka mas que dele não se afasta.
José Maria Vieira Mendes

Um Homem fala, caminhando num escritório onde o tempo parasse. Afunda-se atrás da secretária minúscula, quase colada ao corpo, arrasta-a, para voltar a afundar-se nela, cosido a um canto. Tem brilhantina no cabelo e fato escuro, move-se em ambiente sépia de fundo negro, a frouxa luz incide em madeira gasta, velhos papéis espalhados, pastas de arquivo amontoadas. Trancou-se no escritório, como à noite se tranca no quarto, sabendo, na sua consciência de condenado, que “não adianta trancar a porta, duas portas… ele entra na mesma”.
Elisabete França
Diário de Notícias, 18/3/99

José Maria Vieira Mendes construiu um texto exemplar, de rigor e de sensibilidade, que engloba, na sua estratégia dramatúrgica, personagem, interlocutor e o mundo. Luís Gaspar construiu a personagem certa para a “medida” do seu texto.
João Carneiro
Expresso, 27/3/99

Um exaustivo compêndio de textos de Kafka. Quase podia dizer-se, o Kafka todo, compendiado por José Maria Vieira Mendes e encenado visceralmente por Luís Gaspar. A descontinuidade é uma característica deste teatro da palavra, onde, quando menos se espera, um Kafka esconde sempre outro Kafka, mais inesperado e inatingível.
Manuel João Gomes
Público, 5/11/99