FALTA (CRAVE) de Sarah Kane
Tradução Pedro Marques Com Sylvie Rocha , Isabel Muñoz Cardoso, Cláudio da Silva e José Airosa Cenografia Rita Lopes Alves e Isabel Nogueira Luz Pedro Domingos Som André Pires Encenação Jorge Silva Melo
Uma produção Actores Produtores Associados / Artistas Unidos
Estreia Espaço A Capital/ Teatro Paulo Claro, 18 de Janeiro de 2001
O texto está publicado no volume O TEATRO COMPLETO de Sarah Kane (Ed. Campo das Letras)
“A- E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me em degraus enquanto tu tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e encontrar-me no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas cartas”
Sarah Kane,
Falta (Crave)
FALTA (CRAVE): Quatro vozes cruzadas. Quatro personagens numa só voz. Percursos quase paralelos à procura daquilo que lhes falta: o amor, um filho, a morte, o “mais”. Necessidades dolorosas. Desejos que se cruzam, gestos que se alongam e se separam para prosseguirem uma viagem interior. A palavra é o último gesto. Um gesto sem memória. Medos. Esperanças que se tornam desesperos. Desesperos que são silêncios. Silêncios que se tornam gritos. Um grito a quatro vozes. Na estreia deste texto em Londres, numa encenação de Vicky Featherstone – a cujos ensaios assistiu Sarah Kane – as vozes eram atribuídas a dois homens (um mais velho, outro mais novo) e a duas mulheres (uma mais velha, outra mais nova e negra). Mas nada no texto inglês obriga a esta divisão. A escolha do sexo e idade dos actores é assim o ponto de partida para a análise de um texto enigmático e moderno como este.
“Em toda a sua obra temos a ideia do palco como ringue e como campo de batalha, mas o sentido das acções que aí se desenrolam muda completamente. O percurso de Kane, de facto, explicitou claramente com os últimos dois trabalhos (FALTA e 4.48 PSICOSE) a vontade de não ficar presa numa única imagem FALTA apesar de falar ainda de violência e prepotência, marca decididamente uma viragem em direcção a uma explícita colocação poética, montando afirmações e fragmentos de histórias que às vezes remetem para outras obras (Eliot, Shakespeare) e às vezes para a Bíblia confiando-os a quatro vozes aparentemente indistintas: A, B, C e M. (.) Sarah Kane é a maior expoente da chamada “new angry generation” britânica, apesar de a raiva, que de Osborne em diante fustiga a recepção de todos os novos autores ingleses controversos, ser na realidade apenas um termo retórico. A leitura dada pela imprensa diária, onde, por enquanto, apareceram sobretudo tomadas de posição crítica sobre a autora, visaram de facto, salvo poucas excepções, banalizá-la, representando-a, na melhor das hipóteses, como uma monocórdica escritora engagè que, na sua própria obra, se confronta directamente com a sociedade, fazendo tábua rasa e falando contra tudo e contra todos.”
Luca Scarlini,
do prefácio a Tutto Il Teatro de Sarah Kane, Einaudi
A encenação de Jorge Silva Melo é tensa, dura, adequada ao texto. As interpretações dos quatro actores são também de grande qualidade.
Inês Pinto Queiroz
Netparque 21/01/2001
Trata-se de uma experiência pouco comum no teatro e de um universo intensa e invulgarmente poético que sabe colocar, no horizonte do mais sombrio e desesperado discurso, um mar de ouro pálido, um céu rosado e o desejo de uma existência feliz e livre.
João Carneiro
Expresso
Este artigo não diz nem metade acerca de FALTA, mas às vezes mais vale ficar em silêncio perante um objecto artístico como o é esta peça de Sarah Kane, cuja obra conhecemos devido aos Artistas Unidos (e a quem devemos agradecer).
J.D.R.
Blitz, 23/01/2001