ITALIA-BRASIL 3-2

Itália-Brasil 3-2

ITÁLIA BRASIL 3-2 de Davide Enia
Tradução Alessandra Balsamo Com José Airosa Direcção de Pedro Marques Uma produção A&M /Artistas Unidos / Culturporto Leitura integrada ano programa Pontapé de Saída realizada a 29 de Maio no Pequeno Auditório do Rivoli, Porto

Estreia Teatro Taborda, 15 de Outubro 2004

O texto está publicado na Revista nº 11 dos Artistas Unidos.

Uma telecrónica “epi-cómica” e pessoalíssima do desafio da Selecção Italiana no Mundial de 1982. Uma evocação delirante das personagens e factos, feita de acordo com a tradição do “cuntu” siciliano. O “cuntu” narrava um acontecimento importante, um acto heróico que assim era transmitido às gerações futuras. Na tradição do espectáculo italiano, vem da canção de gesta francesa e celebra, em dialecto, a epopeia católica dos paladinos carolíngios contra os mouros. Paolo Rossi, Zoff, Conti, Pelé, Falcão, não ficam atrás de Rolando ou Rinaldo, a sua gesta pertence à memória colectiva. E eles merecem um seu Olimpo menor, mítico e moderno.

Neste texto juntam-se tiques e estereótipos do bizarro ritual que regularmente se organiza em volta do acontecimento mediático: figurinhas dos jogadores usadas como santinhos e rodeadas de velinhas, amuletos, sinais da cruz; Enia ainda arranja tempo para digressões “sérias” como a triste história de “garrincha”, que morreu na miséria e esquecido de todos, ou do guarda-redes Tusevich assassinado no campo de jogo pelos nazis durante a segunda guerra mundial.

italia_brasil_aCertas efabulações populares que se tornam bocados de história, memória dos costumes, som universal de um dialecto. Ele conta um excerto da vida de uma família siciliana às voltas, à frente da TV, com o jogo-evento que em 1982 marcou a vitória da selecção italiana no mundial de Barcelona, uma partida mítica contra a equipa brasileira. Acompanhado pelos instrumentos básicos de Settimo Serradifalco e Salvatore Compagno, cantor frugal mas inspirado com uma vitalidade inesgotável, manifestante capaz de evocar excessos patriarcais, Davide Enia adopta vários ritmos narrativos, do relato ao ritual, do lacónico ao excitado, do alheado ao visionário e nalgumas fases do marcador, parado, sentado ou de pé, efectua um sobe e desce vocálico que é precisamente o do ” cunto”. Assim, com o pretexto das proezas com a bola e da nomenclatura dos jogadores heróis, desse ano em que morreu Fassbinder, revisitamos os cenários do café concerto, as lendas entre o despotismo e o futebol, os movimentos sem bola decantados por Carmelo Bene e assistimos a um espectáculo cheio de encanto, de vigor, de devoção e admiração”.