… Mais um IdaLou Larsen

Arne Lygre
Arne Lygre iniciou a sua carreira de autor dramático com uma curta peça em um acto que foi apresentada no Festival Dramático da Noruega em 1996. Esta manifestação é bianual e dá, frequentemente, a primeira oportunidade aos jovens autores dramáticos. Dois anos depois, em 1998, esse mesmo texto, Mamma og meg og menn [A mamã e eu e os homens], mas retrabalhado pelo autor e transformado numa peça em cinco actos, foi representado no Rogaland Teater, um dos nossos grandes centros dramáticos regionais.
Dois anos depois, em Janeiro de 2000, a honra de marcar o início do terceiro milénio no Teatro Nacional da Noruega coube a uma nova peça de Arne Lygre, Brått evig [Subitamente Imortal]. Estas duas peças foram também representadas no estrangeiro: Mamma og meg og menn na Dinamarca, na Suécia e em França; Brått evig na Estónia e na Alemanha. Depois, durante alguns anos, Arne Lygre não escreveu para o palco. Em vez disso, publicou em 2004 uma colectânea de novelas, que foi muito bem aceite e recebeu um dos mais prestigiados prémios literários noruegueses, o Brageprisen.
Mas felizmente regressou ao teatro, e parece ir prosseguir uma carreira de dramaturgo. A sua terceira peça, Homem sem Rumo – título [em norueguês] com um duplo sentido, tanto podendo significar um homem sem intenções como um homem supérfluo – foi representada pela primeira vez em Setembro de 2005, durante o Festival de Teatro Contemporâneo em Oslo, numa das salas anexas do Nationaltheatret. E, passados apenas seis meses, no Norske Teatret, o outro teatro nacional norueguês onde se representa em neo-norueguês, uma nova estreia de Arne Lygre, Skygge av en gutt [A sombra de um rapaz].
Homem sem Rumo foi muito bem acolhida pelos críticos noruegueses. As suas análises, bastante divergentes, provam que Homem sem Rumo é uma peça susceptível de múltiplas interpretações. A encenação e sobretudo a cenografia – fotografias de montanhas e de fiordes noruegueses – sublinhavam o facto de a peça poder ser entendida como uma crítica assaz virulenta à sociedade norueguesa em 2005, na qual, segundo Arne Lygre, o dinheiro representa um dos valores mais importantes, senão o mais importante, e os homens mais admirados e mais valorizados são os homens de negócios, os criadores de empresas como Peter, seguros de si mesmos e do seu poder.
As relações humanas não têm qualquer importância na vida de Peter. Em vez de se casar e de manter uma relação estável baseada no amor e no afecto, Peter prefere comprar uma Mulher, uma ex-mulher, evidentemente, é muito mais simples e mais prático porque assim evita a vida em comum: manda vir Mulher sempre que precisa dela. E quando, um pouco mais tarde, no seu leito de morte, sente a necessidade de ter um filho que o ame e se preocupe consigo, resolve o problema à sua maneira: compra uma Filha.
Uma personagem central desta fábula bastante cínica, que alguns interpretam como uma distopia infelizmente bastante realista, chama-se Irmão. Durante muito tempo, parece ser ele o único representante da verdadeira família de Peter. Mas, depois da morte deste, compreendemos que Irmão é igualmente uma personagem cujos serviços Peter comprou e, enquanto os outros recebem uns envelopes bem recheados, Irmão herda toda a fortuna do seu patrão. E logo sofre uma transformação radical: ele, que era prestável, humilde e sempre amável, revela-se um homem malvado e tirânico, que impõe à ex-mulher de Peter uma sexualidade humilhante e brutal. Mas isso em nada incomoda Mulher, que parece, pelo contrário, ter um certo prazer em ser maltratada.
A encenação de Alexander Mørk-Eidem não procurava criar nenhuma ilusão de realidade. Os actores representavam os seus papéis, e interpretavam-nos aliás com brio. Mas sem procurarem criar personagens psicologicamente realistas ou complexas. Não é por preguiça ou por falta de imaginação que Arne Lygre apenas dá um nome próprio a Peter – os outros têm o nome da sua função no contexto familiar: Irmão, Mulher, Filha, Proprietário.
Como que para sublinhar que Homem sem Rumo não é de modo nenhum um texto realista, os actores interrompiam de vez em quando a representação e, retomando as suas próprias personalidades, anunciavam-nos que ia começar um novo acto. Depois da sua morte, por exemplo, Peter vinha dizer-nos que a representação tinha acabado, e que podíamos regressar às nossas casas.
Esta maneira de sublinhar a teatralidade do texto é, na minha opinião, uma solução possível para os problemas de encenação que a peça origina, mas de modo nenhum a única. Um outro encenador escolheria, sem dúvida, uma leitura diferente de Homem sem Rumo. Infelizmente, como na Noruega é muito raro que as criações sejam retomadas por outros teatros, raramente temos a oportunidade de comparar várias interpretações de uma peça.
A escrita dramática de Arne Lygre caracteriza-se por um certo desdobramento das suas personagens: de vez em quando, elas mudam de perspectiva, deixam de estar “dentro das suas peles”, saem delas e pronunciam pequenos monólogos na terceira pessoa. Arne Lygre utilizou este processo, a meio-caminho entre o teatro e o romance, em todas as suas peças. É, de certo modo, a sua assinatura.
Homem sem Rumo é, sem qualquer dúvida, a peça mais ambiciosa de Arne Lygre. Pela primeira vez, ele abandona a família como tema central – tema a que regressa na sua peça seguinte, Skygge av en gutt – e ataca a nossa sociedade moderna nesta sombria sátira social.

Tradução de Ana Campos

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