MUSIC-HALL de Jean-Luc Lagarce
Tradução Alexandra Moreira da Silva Com Américo Silva, António Simão/João Meireles e Pedro Carraca Cenografia José Manuel Reis Figurinos Rita Lopes Alves Luz Bérnard Guyollet Maquilhagem Eva Graça Coreografia Vitor Linhares Apoio Musical Rui Rebelo e Ricardo Freitas Encenação François Berreur Assistência de Encenação Andreia Bento, Olinda Gil e Ricardo Carolo
Uma produção Tá Safo / Artistas Unidos / CCB integrado no Festival de Almada e com o apoio do Instituto Franco-Portuguêsdo AFAA/ Conseil Regional de Franche-Comtè.
Estreia CCB a 8 de Julho de 2005
Integrado no Festival de Teatro de Almada
No Teatro Lethes (Faro) a 17 de Março de 2006
No Teatro Bernardim Ribeiro (Estremoz) a 27 de Março de 2006
No Cine-Teatro de Torres Vedras a 31 de Março de 2006
No Centro Cultural de Campo Maior a 8 de Abril de 2006
No Teatro da Comuna (Lisboa) de 20 de Abril a 28 de Maio de 2006
No Teatro Ziembinski (Rio de Janeiro) 11, 12, e 13 de Agosto de 2006
Na Teatro da Universidade de São Paulo (São Paulo), 15, 16 e 17 de Agosto de 2006
Na Maia, Fórum Municipal (integrado no Festival de Teatro Cómico), 15 de Outubro de 2006
No Porto, no Teatro Helena Sá e Costa, de 3 a 11 de Março de 2007
No Instituto Franco-Português (Lisboa), de 27 a 29 de Junho de 2007
O texto está publicado nos LIVRINHOS DE TEATRO, volume 9 dos Artistas Unidos.
Como todas as noites, naquela terrinha como noutra qualquer, a Rapariga vai apresentar a sua história. Contará o dia que, a custo, ali se acaba, história de humilhações e acasos diversos. O mundo já não é como era, nada é como devia ser, nem mesmo as variedades.
De terra em terra, de ilusões em ilusiões, lugares, cidades e rostos confundem-se. “Estou perdida” diz a Rapariga.
“Estou perdido”, dirá, anos depois, Jean-Luc Lagarce na sua narrativa VIAGEM A HAIA, onde nos fala de uma digressão pela Holanda.
Nestas viagens de actores ambulantes, de terra em terra, onde ancorar raízes?
Music-hall. Uma palavra que brilha como os projectores e as lantejoulas. Music-Hall. Uma palavra que canta como as cantoras sexy. Music-Hall. Uma palavra que sabe a martinis e gin-fizz. Music-Hall. Uma palavra que ilumina em letras vermelhas que fazem sonhar. Mas, se tudo desaparecesse, como “fazer como se nada se tivesse passado”? Music-hall. Agarrada ao seu banco alto e às recordações do seu início, uma cantora de variedades conta a vida, a que levou, de noite em noite, num decrescendo lento, a ir imperceptivelmente passando dos verdadeiros cabarés às festas de aldeia onde um público grosseiro e cheio de cerveja sucede aos espectadores mais elegantes.
Nessa noite, mais uma vez, nesse lugar “que julga poder ser um music-hall”, lá estão, ela e os seus dois boys.
Tentando sobreviver no baldio dos arrabaldes cinzentos, as três personagens de Music-Hall agarram-se como podem a um mundo que os rejeita, na esperança vaga de encontrar um lugar, uma réstea de glória e um projector que os tire do anonimato.
Através desta metáfora terna e desesperada da precariedade do mundo do espectáculo, Jean-Luc Lagarce interroga-se sobre o sentido do destino humano e exprime todas as nossas esperanças e desencantos. Não estamos nós sempre confrontados, mesmo fora do palco, ao êxito e ao fracasso, à dúvida e à realidade?
Usando como pretexto a vida itinerante de uma mulher e dos seus dois boys que apresentam um espectáculo de Music-Hall, Jean-Luc Lagarce questiona o que está em jogo no teatro contemporâneo.
Ao contar a vida de artistas confrontados com as lógicas económicas de exploração das salas e com o desinteresse do público, ele evoca a condição da criação através do retrato desta artista de Music-Hall que recorre à sua vida para criar números e continua a ensaiar incansavelmente mesmo face à incompreensão.
É toda a sua vida que é contada, a sua juventude e as suas viagens, os seus sonhos e as suas desilusões, as suas alegrias e os seus dissabores, os seus encontros e os seus amores, mas, sobretudo, para além de tudo, um amor ainda maior: o do teatro.
A propósito de Music-Hall
E como num livro em que se pudesse entrar, entrar na história como se penetraria mais à frente no palco, avançar no romance como se viajaria em pensamento nas palavras e nas frases, vestir a roupa de cena e tornar-se personagem, fazer a sua parada, a ideia da infância, tal como se andaria na própria imaginação, como explorador e encenador da própria vida, representa-se e, ao representar, diz-se o verdadeiro mais verdadeiro do que o verdadeiro.
Jean-Luc Lagarce,
a propósito de A ilusão cómica
A propósito da encenação
Retomando uma tradição milenar do teatro mas também infantil, «mascaramo-nos»…
Um actor ajudado pelos seus dois indispensáveis boys (nenhum espectáculo se faz sozinho) enfia os trajos, o papel, cerimónia quotidiana do actor, mas mesmo assim cerimónia. Depois de terem carregado as malas, há que ensaiar os passos de dança, organizar os encadeamentos, maquilhar-se, vestir-se, colocar os adereços (indispensáveis os adereços) e ao mesmo tempo lutar contra a administração e a sua lógica impiedosa, ensaiar o texto, fazer ensaiar o texto, afinar as luzes e também o som. É trabalho. E ainda assinar os contratos (tentar assinar contratos, porque hoje à noite é « à bilheteira») e por isso preocupar-se com a bilheteira e com o público, será que eles virão? Esperar então. Pouco importa, representaremos, representámos.
François Berreur