O CAMPEÃO DO MUNDO OCIDENTAL de J. M. Synge

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O CAMPEÃO DO MUNDO OCIDENTAL de J. M. Synge Tradução Joana Frazão Com Elmano Sancho, Maria João Pinho, Américo SilvaMaria João Falcão, Rúben Gomes, João Vaz, António Simão, Nuno Pardal, João Delgado, e os estudantes da ESTC Catarina Campos Costa, Nídia Roque, Daniela Silva, Rita Cabaço, Isac Graça, João Reixa, Bernardo Souto, Nuno Geraldo, Joana Manaças, Vânia Ribeiro Coreógrafo de lutas Sérgio GriloCenografia e Figurinos Rita Lopes Alves assistida por Ângela Rocha Desenho de Som Rui Dâmaso e Pedro Costa Construção Thomas Kahrel Luz Pedro Domingos Produção João Meireles Assistente de encenação Mirró Pereira e Américo Silva Encenação Jorge Silva Melo Uma produção TNDM II/ Artistas Unidos apoio à tradução de Ireland Literature Exchange

No TNDM II de 16 de Maio a 9 de Junho de 2013
4ª a Sáb. às 21h00 | Dom às 16h00

SELVAGEM, SIM, FOI SELVAGEM

à memória da actriz Dalila Rocha, que tantas noites me contou ter sido a Pegeen no Teatro Experimental do Porto

Selvagem, sim, foi selvagem que, também, nasceu o século XX, esgotados os ópios, nevoeiros, caídos os setins chineses com que os simbolistas foram rematando os romantismos. Selvagens os fauvistas, selvagem o Gorki dos asilos e dos mendigos, selvagem o Hamsun, o da Fome, selvagens, brutais os acordes da Sagração da Primavera, essa tempestade.

E é selvagem John Millington Synge, menino elegante que foge da Paris finissecular para procurar, nas remotas ilhas Aran, gente de carne e coragem, mulheres sobrevivendo ao mar, gente que vence a mesquinhez da vida, à beira da falésia, corpo a corpo com a tragédia.

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Ninguém ainda conseguiu dizer, quase cem anos depois da estreia, o que é este Campeão do Mundo Ocidental que continua a fantasmar os palcos do mundo, farsa, tragédia, comédia, melodrama, poesia, que raio de tesouro é este? Ninguém o diz, ninguém sabe: sabemos que abriu portas, que por essas portas entraram, decididos, Lorca e Brandão. E entrou Brecht, entrou o cinema de John Ford e o teatro de O´Casey – e, na Irlanda da cerveja preta e grossa, ninguém se livra desta peça, foi mesmo o Enda Walsh quem no-lo disse, “andamos todos – os escritores irlandeses – à volta do Christy”, pobre rapaz, burlador não de Sevilha mas do Condado de Mayo, don Juan menino, Schweyk na guerra dos Boers, sabemos lá, Charlot nas arribas, Gabirú.

Sabemos apenas que uma história (“Matei o meu pai!”) o transformou em herói, que continuou a contá-la, aumentando-a, que viveu dela, que as raparigas gostavam dele, que os rapazes o aceitaram, que os homens o receavam, herói – e que, um dia, tudo ruiu e ele teve de se ir embora.

Foi breve a sua canção, a pesada mão da realidade entrou pela porta adentro, há-de casar-se mediocremente a bravia Pegeen (que linda que serás sempre, ruiva e bravia!) e toda a ânsia juvenil irá fechar a porta.

Sempre gostei das peças em que se abre uma porta.

Aqui, quem entra, pouco depois de se levantar o pano, é mesmo inesperado. Atrapalhado, tímido, receoso, inseguro, olhando para todos os lados, aquele rapaz roto e sujo traz consigo mentiras, fantasias, histórias que vai inventando à nossa frente – e para nosso encanto.

Mas não é isso a Irlanda, não é isso a vida, histórias que vamos inventando para sobreviver à sujidade das nossas correrias?
É pelo menos isso o que penso que pode ser o teatro: uma porta de onde nos chega a vida, as mentiras, os sonhos de grandeza, a sedução, o irreprimível desejo, o desejo, esse escandaloso desejo.

Ao querer fazer este texto vibrante que iniciou o teatro europeu do século XX (estreou em 1907 e ainda não deixou de marcar o que se faz), quero, com os maravilhosos actores que agora há, meus amigos, quero voltar a pensar que realismo e poesia, invenção e atenção confluem sempre no teatro, sempre frágil, sempre ferido.

E, tal como nos disse um dia o grande dramaturgo grego Dimitris Dimitriadis (que ainda não conseguimos estrear), “voltar a fazer entrar gente nos palcos que Samuel Beckett esvaziou para sempre”.

Sabe tão bem voltar ao teatro.

E fazer aquela coisa tão difícil: rir. E enternecermo-nos
Jorge Silva Melo

Traduzido em várias línguas, o Playboy nunca mais deixou o repertório europeu. Se em 1922, a montagem da peça no Teatro Judeu em Moscovo, com direcção de Stanislavsky e cenários de Marc Chagall (que não foram aceites, por demasiado oníricos) se revelou um grande fracasso, ficaram célebres em Paris as montagens dos Pitoeff (1918-9), a de Marcel Herrand nos Mathurins (1941), e, sobretudo, a de Raymond Raynal no Vieux-Colombier, em 1947 (com interpretação e a colaboração do imenso Roger Blin que terá dito: “mal li Synge, passei a gostar de todo o teatro irlandês”). Na Alemanha, foram inúmeras as produções no pós-guerra e ficou na história teatral a montagem de Peter Pallitzch e Manfred Wekwerth a partir de uma versão de Peter Hacks (Berliner Ensemble, logo após a morte de Brecht, em 1956. Brecht sempre dedicou particular interesse a Synge, tendo mesmo escrito, com Margarete Steffin As Espingardas da Mãe Carrar a partir de Cavalgada para o Mar, peça que também está na origem de Bodas de Sangue de Garcia Lorca.

Mas sempre se colocou a questão da tradução do título. The Playboy não é apenas o sedutor, como insinua a versão italiana (Il Rubacuori), nem o herói (Der Held) como para os alemães, também não é bem o Baladin dos franceses (vadio, vagabundo meio poeta). Em castelhano conhecemos quatro versões, todas elas propondo um diferente playboy: El farsante más grande del mundo, 1959; El botarate del oeste, 1959; El saltimbanqui del mundo occidental, 1963; El galán de Occidente, 1971. E também poderíamos pensar em Burlador, como Tirso chamou ao seu Don Juan, e não sabemos se os temas de ambas as peças se não cruzam (morte do pai, enganos do namorado, disputa de mulheres…)

“Na palavra playboy, que não vem nos dicionários – escreveu António Pedro, em 1957, no programa da estreia em Portugal – há a ideia de exibicionismo. “To play” é representar e brincar. Fingir representando aquilo que se não é, e tendo como ideal a valentia, é armar-se em valentão. Daí o título escolhido para a tradução difícil de “playboy”, em vez de peregrino ou vagabundo, a que falta significado, de brincalhão ou fingidor, que são insuficientes por não envolverem a ideia da admiração alheia que sugere a palavra “valentão”. A história desse valentão ultrapassa o incidente entre as personagens que nela intervêm e é, mais do que conta, uma espécie de análise lírica ao processo de libertação dum complexo de timidez perante a autoridade indiscutível de um: o pai ou a Inglaterra, que impõe leis (…) E é uma história surpreendente, de ponta a ponta, onde a poesia brota do esterco, como uma orquídea(…).”

Daí que a nossa tradução, feita de novo por Joana Frazão, tenha decidido acentuar a vitória contida no nome: O Campeão do Mundo Ocidental. Pois, afirma a tradutora,“Se o termo não deixa de remeter para a representação e a brincadeira (playboy também por oposição a potboy, ajudante de cozinha, função séria para a qual o protagonista é contratado), numa primeira leitura parece ser uma tradução literal do irlandês buachaill báire, “rapaz do jogo”, associado ao desporto do hurling. E a primeira vez que o epíteto completo The Playboy of the Western World é usado é quando a viúva Quin descobre que todos foram enganados por ele, por aquele que venceu todos os jogos e conta a sua história com tão belas palavras. Playboy é portanto ao mesmo tempo grandiloquente e humorístico, e a escolha de Campeão – necessariamente imperfeita – mantém a conotação desportiva de base, sem perder de vista a ambiguidade, acrescentando uma nota irónica à ideia de admiração.”

Em Portugal, com o título O Valentão do Mundo Ocidental e tradução (editada pelo Circulo de Cultura Teatral, 1957) de Egito Gonçalves estreou a 18 de Janeiro de 1957, numa produção do Teatro Experimental do Porto, com interpretação de Dalila Rocha, Vasco de Lima Couto, José Pina, Egito Gonçalves, Batista Fernandes, João Guedes, Cândida Maria, Fernanda Gonçalves, Inês Palma e Jaime Valverde, cenários de Augusto Gomes e encenação de António Pedro. A peça veio a ser produzida em 1994, pelo Teatro da Malaposta com José Airosa e Ana Nave nos protagonistas, Rosário Gonzaga na Viúva, José Eduardo no Velho Mahon, Marcantonio del Carlo em Shawn, Jorge Silva em Cullen, Mário Jacques em Jimmy Farrell e Luís Alberto em Michael Flaherty, cenário de Manuel Amado e encenação de Rui Mendes. Em 2007, o Cendrev veio a fazer nova produção que estreou no Garcia de Resende, em Évora, dirigida por José Russo com Nelson Boggio em Christy.