O ENCARREGADO de Harold Pinter

O Encarregado

O ENCARREGADO (The Caretaker) de Harold Pinter
Tradução Francisco Frazão Com Américo Silva, Jorge Silva Melo e José Airosa  Cenografia e figurinos Rita Lopes Alves, Rosa Gonçalves, José Manuel Reis Luz Pedro Domingos Som André Pires Encenação João Meireles
Uma produção Culturgest/Artistas Unidos

Estreia Culturgest, 5 de Dezembro de 2002
Teatro Taborda, 6 de Novembro de 2003

O texto está publicado no volume TEATRO I de Harold Pinter (Ed. Relógio d´Água).

o_encarregado_bTHE CARETAKER estreou no Arts Theatre em 27 Abril de 1960, numa encenação de Donald McWhinnie, com cenários e iluminação de Brian Curry e o seguinte elenco: Peter Woodthrope (Aston); Alan Bates (Mick); Donald Pleasence (Davies). O espectáculo foi transferido nesse mesmo ano para o Duchess Theatre. No ano seguinte, estreou em Paris com Roger Blin, José Varela e Jean Martin e estreou quase em simultâneo em Amsterdão, Dusseldorf, Hannover, Essen, Bielefeld, Cape Town e Nova Iorque. A peça recebeu o Evening Standard Award para a melhor peça do ano (1960). O triunfo do espectáculo foi de tal ordem que um grupo de personalidades que incluia Richard Burton, Leslie Caron, Noël Coward, Peter Hall, Peter Sellers e Elizabeth Taylor fundou uma produtora para a produção de um filme (também com Bates e Pleasence, mas agora com Robert Shaw no papel de Aston) que foi realizado por Clive Donner em 1963. Em 1991, o próprio Pinter encenou a peça no Comedy Theatre. Em Portugal estreou no Teatro Tivoli em 1967 com o título O PORTEIRO, numa tradução de João Vieira e Jacinto Ramos e encenação de Jorge Listopad, com Augusto de Figueiredo, Jacinto Ramos e Henrique Viana.

Talvez Aston traga para casa o vagabundo Davies como mais uma das coisas inúteis que lhe atravancam o quarto.
Aston tem um barracão para construir no jardim mas não desiste de tentar arranjar a ficha de uma torradeira, Davies quer ir a Sidcup buscar os seus documentos só que o tempo não há maneira de melhorar. E Mick entra em cena, fala de frutos secos, autocarros e decoração de interiores, manipula Davies com um nonsense inquietante, assusta-o, ameaça-o, oferece-lhe sanduíches. Em momentos diferentes, os irmãos Aston e Mick propõem a Davies o lugar de encarregado do prédio (com que funções?). As perguntas são: quem é que toma conta de quê e de quem? quem é que manda em quê e em quem? como é possível viver em conjunto quando a linguagem é feita de relações de poder, por entre alianças, traições e pequenas violências?

Claro que eu próprio me ri enquanto escrevia O ENCARREGADO mas não o tempo todo, não “indiscriminadamente”. […] Tanto quanto isso me diz respeito, O ENCARREGADO é uma peça engraçada, até um certo ponto. Para além desse ponto, deixa de ser engraçada e foi por causa desse ponto que a escrevi.
Harold Pinter

o_encarregado_aEspirituoso, violento, escrito com um ouvido infalível para os ritmos da língua, ameaçador e terno, O ENCARREGADO é visivelmente obra da mesma mente inquieta que nos deu FELIZ ANIVERSÁRIO, peça que agora é considerada das maiores do nosso tempo. Tal como nessa, também aqui há um intruso, também aqui aquele cuja casa é invadida é lento no espírito e na fala. Fica perturbado, e por vezes tem medo. O vagabundo sujo e desprezível em relação a quem ele mostra carinho e dedicação trata-o com uma ingratidão insuportável. Mas no entanto este homem, Aston, que não é apenas lento mas também gentil, generoso e bem formado é realmente formidável. Todos os ataques, toda a luta vem do outro lado. Mas, tirando um momento, nunca duvidamos de quem exerce o poder. Na escrita magistral desta personagen há uma implacabilidade tão poderosa e silenciosa que tentar demovê-lo é como dar murros contra uma parede. Aston é admirável, agradável, tem a justiça do seu lado. O vagabundo, Davies, é no final o mesmo que no início, um impostor, cruel, egoísta e sem escrúpulos. E no entanto, quando o pano cai sobre a fraca rendição de Davies, é com este vagabundo que fica a nossa simpatia. E sem que, no entanto, em nada tenha diminuído a nossa admiração por Aston. Pinter olha com igual penetração para dentro do coração de homens que estão em lados opostos.
Harold Hobson, Sunday Times, 1960

O sólido realismo das circunstâncias e personagens em O ENCARREGADO e o facto de a realidade ter aqui um aspecto indeterminado, aberto e misterioso da própria vida, é o fundamento da eficácia deste texto num alto plano – o plano da imagem poética, a metáfora de uma verdade maior e mais geral, um arquétipo poderoso e universal. Isto é no fundo devido à extrema clareza e aguda precisão com que o mundo real é aqui representado. E é a primeira peça de Pinter a ter conseguido esta completa síntese entre o realismo da acção exterior e a metáfora poética, a imagem onírica de arquétipos intemporais no mais profundo – ou elevado – nível de impacto.
Martin Esslin