Estreia na Culturgest, 10 de Outubro de 1996.
Digressão por Portalegre, Évora, Damaia, Coimbra, Braga e Porto.
Litografia Portugal, 25 de Setembro de 1997.
O texto (escrito entre Fevereiro e Maio de 1996 em colaboração com Joana Bárcia, Manuel Wiborg, Paulo Claro, António Simão, Jorge Andrade, João Meireles, Daniel Martinho, Miguel Mendes e João Pedro Rodrigues) está publicado pelas Edições Cotovia.
CATANIA – Não resistiu ao remorso e enforcou-se. Ou, pelo menos, é o que até agora se sabe. Os guardas prisionais encontraram-no ainda com vida na cela da prisão de Caltagirone, onde estava preso desde a passada sexta-feira. Felice Motta, de 20 anos, suicidou-se na manhã de ontem. O jovem fora encarcerado na semana passada acusado de ter assassinado e queimado o cadáver de Antonella La Rocca, uma rapariga de Palagonia, quem desaparecera sem deixar rasto no passado mês de Março.
Michela Guiffrida
La Repubblica, de 28 de julho de 1993
Sempre me prendi aos casos do dia. Neles deparamos com a opacidade do real, a sua falta de sentido, o terrível silêncio dos homens e de Deus. O caso do dia não tem justificação, perante ele é sempre a mesma exclamação a que se ergue: coisa horrível! Já fiz o Woyzeck de Georg Büchner nos longínquos anos 70, e nessa altura li o que Ingmar Bergman dizia: nunca se faz essa peça inacabada uma só vez. Hoje, arranjei esta uma maneira de voltar ao Woyzeck, texto que nasce da perplexidade de Büchner perante um crime autêntico e um inquietante e minucioso processo de tribunal. À brutalidade dos factos, ao silêncio obstinado do assassino – porque cometeu ele o crime? porque o confessou, se nem sequer o cadáver foi descoberto? porque se suicidou ele na cadeia? – quero responder com uma escuta atenta. Escutar os inventados passos desta personagem silenciosa, certamente banal, escutar o vazio do seu pensamento – uma vida jovem enredada num mecanismo de destruição, a partir da boçalidade de um fim de semana entre amigos da terra, a violência a irromper, a morte a aproximar-se.
[…]
Transformámos, assim, o jovem criminoso siciliano da história original num rapaz português, muito jovem, rapaz que veio de uma aldeia onde há uma lagoa, camponês, caçador, solitário. E apanhamo-lo naquele momento de tribal iniciação que é o serviço militar obrigatório – afastado da sua terra, violentado na sua individualidade. E num ambiente onde a exacerbação da virilidade é lei. E o pavor, o tão masculino medo do sexo.
[…]
A pouco e pouco vamos constituindo nem sei bem o quê. Um bando, uma quadrilha, uma associação de malfeitores, talvez uma equipa. Já sabemos de cor alguns números de telefone… Já nos conhecemos?
[…]
O que é bom é que não vai ser preciso falar, havemos de pressentir-nos, sentir o trabalho uns dos outros e, a pouco e pouco, envelhecermos – nem sempre juntos. Nos verões? Todos os anos, pelo verão? É claro que não vai ser assim…
Jorge Silva Melo
13 Junho 1996
Tudo na peça é absolutamente original e português. A começar pelo local onde se passam os acontecimentos: a caserna. O palco do Grande Auditório é uma vasta e sórdida camarata onde 13 magalas dormem, dormitam, trocam piropos, insultos e piadas grosseiras, contam aventuras e fazem confissões, rememoram as mulheres, ou as namoradas, ou os filhos que deixaram na terra, fazem projectos para depois da tropa, idealizam empregos, negócios, expedientes. Um microcosmos com uma atmosfera ora impregnada de erotismo, ora carregada de violência. O Fim ou Tende Misericórdia de Nós deveria ser visto em todas as terras do país. É um projecto de Utilidade Pública.
Manuel João Gomes
Público, Outubro 1996