O RAPAZ DE UCELLO ou aquilo que nunca perguntei ao Álvaro Lapa de Jorge Silva Melo Com João Pedro Mamede e Jorge Silva Melo Luz Pedro Domingos
No Porto, no Auditório de Serralves, 6 de Maio de 2018
Não, Álvaro Lapa não era evasivo. Era penetrante. Respondia, hesitava pouco, falava baixinho, mantinha um silêncio que ninguém conseguiria interromper. Silêncios por vezes dolorosos. Eu nem sempre entendia o que ele dizia de forma peremptória, eram “provérbios”, dizia. Estive em sua casa em Leça três dias a fazer-lhe perguntas. Provavelmente por eu não ser do meio e por nos termos conhecido em longas tardes de cafés de Lisboa, naqueles anos 64-66, meus primeiros anos de Faculdade, Lapa abriu-me a casa, até me deu as chaves para o caso de eu “amanhã” querer chegar mais cedo.”Que linda camisola!”, disse-lhe. Sorriu, aquele sorriso sempre triste que tinha. “Comprei-a para o filme.” Confesso que adorava estar ali sentado a olhar para ele, vê-lo, inteligente, feroz, agudo, acutilante, certeiro, frágil também. Era impossível não o olhar, era um íman. E fiz muitas perguntas, perguntas de leigo, perguntas apenas para ele poder falar, perguntas. E não lhe perguntei, pois foi, não lhe perguntei tanta coisa. Quem era esta sombra de adolescente que entreviu em Uccello (“a minha única referência clássica”, terá dito), espelho, rasto? Que ligação vai daqui ao Gombrowicz cujo Caderno fez… ao Villon das antigas neves? Tantas perguntas que podia ter feito, que estupidez, o Lapa estava ali mesmo à minha frente e dispusera-se a isso. E não fiz mesmo a principal: o que é a Literatura, Álvaro?
Ficaremos sempre a perguntar-nos isso. Com o João Pedro Mamede, ator que admiro, queria remoer nesta coisa esquisita de estar diante de alguém que admiramos (e Lapa é admirável) e não ser capaz de lhe perguntar aquilo que quero saber, recear ser parvo.
Sim, é sobre aquilo que nunca perguntei ao Álvaro. É, mais uma vez, sobre Literatura.
JSM