No dia 27 de Fevereiro de 2004, realizou-se no teatro Taborda um concerto do contrabaixista Stefano Scodanibbio a partir de textos do poeta Edoardo Sanguineti, que leu os seus poemas. Tratou-se de duas composições de Scodanibbio intituladas POSTKARTEN (de 1997, para contrabaixo e recitante) e ALFABETO APOCALÍPTICO (de 2001, para recitante, contrabaixo e projecção de slides de Enrico Baj). O concerto é foi uma iniciativa do Instituto Italiano de Cultura.
Stefano Scodanibbio, contrabaixista e compositor, nasceu em Macerata em 1956. É um dos protagonistas do renascimento do contrabaixo nos anos 80 e 90. Tocou nos mais importantes festivais de música contemporânea inúmeras peças escritas especialmente para ele por compositores como Bussotti, Donatoni, Estrada, Ferneyhough, Frith, Globokar, Sciarrino, Xenakis. Em 1987, em Roma, executou uma maratona de 4 horas non-stop, tocando 28 peças para contrabaixo solo de 25 autores. Colaborou intensamente com Luigi Nono (que no PROMETEU escreveu: “arco mobile à la Stefano Scodanibbio”) e Giacinto Scelsi. John Cage, numa da suas últimas entrevistas, declarou : “Stefano Scodanibbio is amazing, I haven’t heard better double bass playing than Scodanibbio’s. I was just amazed. And I think everyone who heard him was amazed. He is really extraordinary. His performance was absolutely magic.” Toca normalmente en duo com Rohan de Saram e Markus Stockhausen. Em 1996 ensinou contrabaixo no Darmstadt Ferienkurse. Como compositor, escreveu mais de 40 obras, principalmente para instrumentos de corda (Sei Studi per contrabbasso solo, Six Duos per tutte le combinazioni dei quattro archi, Concerto per contrabbasso, archi e percussioni, 4 Quartetti, etc.) as suas composições foram seleccionadas por três vezes pela Società Internazionale di Musica Contemporanea (Oslo 1990, Città del Messico 1993, Hong Kong 2002).
Gravou para Montaigne Auvidis, col legno, New Albion, Dischi di Angelica, Ricordi.
São particularmente importantes as sua colaborações com Terry Riley e Edoardo Sanguineti.
Fundou em 1983 o Encontro de Nova Música de Macerata que dirige.
Faleceu a 8 de Janeiro de 2012.
Edoardo Sanguineti nasceu em Genova em 1930. É um dos maiores poetas europeus da segunda metade do século XX. Como romancista, è autor de três obras importantes: CAPRICCIO ITALIANO de 1963, GIUOCO DELL’OCA de 1967 e GIUOCO DEL SATYRICON de 1970. A sua fama também se deve à sua intensa actividade teórica e crítica que desenvolveu no “Gruppo 63”. Para além de vários ensaios (TRA LIBERTY E CREPUSCOLARISMO, IDEOLOGIA E LINGUAGGIO, GUIDO GOZZANO, SCRIBILLI, IL CHIERICO ORGANICO, etc.), é autor de uma admirável antologia da poesia do século XX. Tem vários livros de poemas (LABORINTUS (1956), OPUS METRICUM (1960), TRIPERUNO (1964) e WIRRWARR (1972)), teatro e ensaios. Sanguineti colaborou com o compositor Luciano Berio nos libretos das óperas PASSAGGIO e LABORINTUS II e nos textos de ESPOSIZIONE e A-RONNE. Para o teatro traduziu AS BACANTES e AS TROIANAS de Eurípides, FEDRA de Séneca, e elaborou para Luca Ronconi a celebre versão do ORLANDO FURIOSO de Ariosto. Recentemente, Lisboa pode ver as suas adaptações de Brecht e Gozzi nas encenações de Benno Besson. As suas mais recentes poesias estão incluídas nos volumes SEGNALIBRO, NOVISSIMUM TESTAMENTUM, BISBIDIS, IL GATTO LUPESCO.
Enrico Baj nasceu em Milão em 1924, e foi um dos nomes principais da vanguarda dos anos 50 ao lado de artistas como Lucio Fontana, Asger Jorn, Piero Manzoni e Yves Klein. Na sua obra, os períodos dos “mobili”, dos “espelhos”, das “senhoras”, e das “contaminações” integram-se com a preocupação contra a violência e a degradação. Baj manteve sempre uma estreita relação com poetas e homens de letras como Breton, Duchamp, Queneau, De Mandiargues, Eco, Baudrillard, Sanguineti, Paz, Calvino, Volponi, Sanesi e Buzzati. Expôs nas principais galerias e museus do mundo e as suas obras encontram-se no Art Institute de Chicago, National Gallery de Washington, Tate Gallery, Centre Pompidou, Guggenheim de Venezia e nos museus de Viena, Estocolmo, Milão, Sidney, etc.
POSTKARTEN
Sempre aspirei a uma música autobiográfica, onde aquilo que existe de mais corpóreo no fazer da música passa a pertencer ao elemento do discurso. POSTKARTEN é um passo decisivo neste percurso, uma radicalização de Sanguineti, poeta musicalíssimo e muito musicado. O ponto de partida é a interpretação vocal que o próprio Sanguineti dá das suas poesias. Uma leitura aparentemente monocórdica e inexpressiva mas na realidade cheia de levíssimas inflexões e pequenos ataques retóricos. A poesia de POSTKARTEN é constituída por imagens de viagens e tiques linguísticos, retórica e quotidiano, e por isso pensei uma espécie de duplo musical, sem qualquer concessão ao comentário, uma minha vivência instrumental. Todo o corpo da poesia de Sanguineti origina aqui uma minha prática contrabaixista. Encontraremos aqui algumas das minhas fixações, como o persistente uso sincrónico das duas cordas (das quais uma de altura fixa, o som harmónico, e outra o som real que se move cromaticamente), um passar entre o exercício e a livre invenção, a obsessão das variações rítmicas no maior número possível dentro de um reduzidíssimo campo intervalar, o tratamento do arco prolongando a tradição do século XIX, a citação (de PSY, única obra contrabaixista de Berio), as transmutações de técnicas próprias dos outros instrumentos (neste caso, os aspectos guitarrísticos), e tudo dentro de uma prática da improvisação que mistura perícia e acaso, risco e cliché, artesanato e rigor. A obra é dedicada a Aldo Tenedini.
ALFABETO APOCALÍPTICO (2001)
Para recitante, contrabaixo e projecção de diapositivos
A obra consiste numa série de 21 oitavas, uma por cada letra do alfabeto italiano, escritas e recitadas por Sanguineti com a minha música para contrabaixo. Aproxima-se do anterior POSTKARTEN mas é muito mais divertida e apocalíptica. Num écran projectam-se as 21 letras pintadas por Enrico Baj com a sua habitual postura erótica e dessacralizadora.