PRIMEIRO AMOR de Samuel Beckett
Tradução Francisco Frazão Com Miguel Borges Cenografia e figurinos Rita Lopes Alves, José Manuel Reis, Ana Paula Rocha, Isabel Nogueira e João Cachulo Luz Pedro Domingos Um espectáculo de Miguel Borges com a colaboração de Gracinda Nave, Jorge Silva Melo, Pedro Carraca, Pedro Marques e Paulo Claro
Estreia Espaço A Capital/ Teatro Paulo Claro, 8 de Fevereiro de 2001
O texto está publicado nas edições Ambar
“Naquela altura eu não percebia as mulheres. Aliás agora também não. Nem os homens. Nem os animais. O que percebo melhor, e não é dizer muito, são as minhas dores.”
Samuel Beckett,
Primeiro Amor
PRIMEIRO AMOR: A novela começa num cemitério e termina com um parto. Há espaços que se percorrem: uma casa, um banco de jardim, um estábulo, outra casa. Uma voz, sem nome, fala e consegue contar uma história, a sua. Deprimente, escatológica, lírica, divertida. Mais ou menos uma história de amor. Podia ser outra, diferente mas parecida. PRIMEIRO AMOR faz parte de um conjunto de quatro novelas, os primeiros textos de ficção que Beckett escreveu em francês, no pós-guerra, antes de À ESPERA DE GODOT. As outras chamam-se O EXPULSO, O CALMANTE e O FIM, monólogos de vagabundos e inadaptados, com o crânio numa lástima, atravessadas por temas, lugares, objectos e expressões comuns. Ainda se contam histórias, ainda há uma espécie de personagens. Depois, só bocados e vozes, interrupções do silêncio.
À nossa frente, uma parede azul quase turquesa; ao meio, uma porta castanha que dá para um corredor perspectivado; uma mesa, uma cadeira, um chão de terra. Miguel Borges não pára um segundo, mesmo que crie pausas, como logo de início, quando a memória lhe traz “as lágrimas aos olhos”. As palavras de Beckett passam a ser suas, também, num discurso por vezes quase sussurrado, em que para o som e para o sentido o actor cria um movimento também contínuo, vital, e que parece sempre certo.
João Carneiro
Expresso, 17/03/2001