SPIRO SCIMONE

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Nasceu em 1964 em Messina, Sicília. Estudou numa escola de teatro em Milão e, juntamente com o seu colega Francesco Sframeli, representou Beckett, Mrozek e Havel. Em 1994 escreveu a primeira peça, Nunzio, que enviou ao encenador Carlo Cecchi. Foi a partir desse encontro que começou a sua companhia própria e a escrita de peças “não por ter necessidade de escrever”, diz ele, “mas para imaginar uma partitura, um material que possa ser possuído pelo corpo, a alma e a voz até obter uma língua de teatro”. A Nunzio (que em 2001 adaptou ao cinema com o título Due Amici, tendo vencido o Leão do Futuro no Festival de Veneza 2002), seguiram-se Café e A Festa. Spiro Scimone esteve presente no Festival de Almada 2002 a convite dos Artistas Unidos e com o apoio do Instituto Italiano de Cultura. Regressou em 2003 com a sua produção de La Festa. A versão portuguesa de A Festa foi estreada pela Tá Safo em 25 de Julho de 2003 no Citemor e abriu a 11 de Setembro de 2003 a temporada dos Artistas Unidos no Teatro Taborda. Il Cortile (O Saguão) foi estreado em 6 de Setembro de 2003 em Gibbellina com encenação de Valerio Binasco, cenografia de Titina Maselli, luz de Beatrice Ficalbi e interpretação de Francesco Sframeli, Spiro Scimone e Nicola Rignanese e apresentado no Teatro Taborda em Abril de 2005. As peças de Scimone têm sido apresentadas em Portugal pelo Teatro dos Aloés (O Saguão, O Envelope em 2010-11), Teatro do Eléctrico (A Festa, em 2011), As Comédia do Minho (A Festa, em 2006) e Associação de Teatro Experimental de Lagos (A Festa, em 2009).

Do autor nos Livrinhos de Teatro:
Nunzio/ Café/ A Festa (nº 1)
Conferência de Imprensa e Outras Aldrabices
(nº especial com o texto O Envelope)

Nas Revistas Artistas Unidos:
O Saguão (Revista nº 11)
Dossier: O trabalho de Spiro Scimone: três peças e um filme (Revista nº 8):
Contém os artigos:
Parar para ver, aprender a ouvir;
Sobre as peças do Spiro Scimone – por Ettore Capriolo;
Due Amici – por Luís Miguel Oliveira;
Conversas na Sicília – O teatro de Spiro Scimone – por Francisco Frazão.
O Envelope (Revista nº 23)

SOBRE SPIRO SCIMONE
Numa Sicília dir-se-ia que inventada por Pinter, nascem os textos elementares e misteriosos de Spiro Scimone e por ele representados com Francesco Sframeli Deste teatro irresistívelmente cómico na sua rigorosa seriedade, nasce um grito de loucura. É um teatro baseado na observação objectiva do paradoxo quotidiano como muitos dos inesquecíveis gags do cinema mudo. Mas tudo misturado numa atmosfera de filme muito negro.
Franco Quadri

Spiro Scimone sabe perfeitamente como definir o íntimo. Com um gesto. Não aponta o coração mas une as mãos por cima da barriga como se aí estivesse uma energia secreta, ardente. “É aqui, diz ele em dialecto de Messina, la bucca dell´anima, a voz da alma”
Jean-François Perrier Le Monde

Os dois primeiros textos de Spiro Scimone são em dialecto de Messina; o terceiro em italiano. Mas quer a língua nacional quer o dialecto são usados por ele da mesma forma, para descrever um mundo substancialmente idêntico. A situação base é a de um lugar fechado ao qual chegam ecos de um exterior de várias maneiras inquietante ou perigoso. Esses ecos são voluntariamente vagos: ao autor não interessa precisar a sua fisionomia, interessam-lhe sim os reflexos que se podem colher nos seus (escassos) personagens: dois em Nunzio e Café, três em A Festa. E interessa sobretudo a linguagem em que é expressa a sua condição, uma linguagem que evita as armadilhas do naturalismo e se entrega a uma musicalidade muito evidentemente influenciada pela lição de Harold Pinter, mas aqui trabalhada de um modo extremamente original. O dialecto é presumivelmente inventado, serve não tanto para dar um retrato mais ou menos fiel de um micro ou de uma mega-realidade, mas para exprimir uma específica visão do mundo. Como fazem os poetas e, menos vezes, os grandes dramaturgos. O diálogo recorre a inúmeras repetições de frases que não descrevem a não ser de vez em quando e quase sempre de forma indirecta, a realidade a que se referem e até as reacções das personagens a estas realidades. Onde outros descreveriam e contariam, Scimone reduz a intriga e as suas repercussões a gestos apenas, como se apagasse os dados objectivos daquilo que quer revelar para acentuar o comportamento das próprias personagens e as palavras (e os silêncios) que sugerem, mais do que exprimem, aquilo que fazem. São palavras de um quotidiano alheio às implicações dramáticas, ou mesmo totalmente banais. Com momentos em que a tensão subterrânea se traduz em comicidade, sobretudo no palco graças ao talento e à técnica dos seus dois intérpretes originais, Scimone e Francesco Sframeli., cúmplices desta aventura.
Lá dentro, as situações são de intenso dramatismo que revelam, sobretudo nos dois primeiros textos, nítidas oposições entre os dois personagens: em Nunzio temos, por um lado o próprio Nunzio, doente e com poucos meses de vida, que nunca foi a sítio nenhum a não ser a uma avenida onde uma vez encontrou “uma loura…sem cuecas”, por outro Pino que viaja por todo o lado no seu trabalho de assassino pago e que conhece o mundo; em Café, o empregado Nino que sonha com um estabelecimento onde possa vir a servir cocktails e por enquanto sucumbe a uma mãe poderosa e se limita a lavar o chão de um miserável cafézito e por outro lado, Petru que tem mulher e filhos e frequenta um grupo de jogadores sempre à espera de enriquecer e perdendo sempre ao jogo as poucas coisas que tem. Estes pares – nas duas peças compostas pelo ingénuo e pelo sabichão, do inocente e daquele que perdeu a inocência, se quiserem do garoto e do adulto – estão unidos por laços complexos. Em Nunzio o forte mantém até ao final a sua característica protectiva em relação ao fraco. Em Café a relação quase faz uma reviravolta quando o forte revela a sua fragilidade. Atrás do quarto de Nunzio e do café de Nino vêm-se as sombras aterradoras de uma terrível realidade exterior. O dialecto siciliano leva-nos a identificá-las com a Mafia e a sua sinistra procissão de sangue e morte enquanto as personagens parecem defender-se encerrando-se numa espécie de bunker na vão esperança de lhes escapar. A substância destes textos é assim, não obstante a aparente inocuidade do diálogo, fundamentalmente trágica. Mas Scimone não permite nunca à tragédia que levante a cabeça, deixa-a ficar no fundo passando a primeiro plano as relações, comportamentos e palavras que só aparentemente nada têm a ver com ela, e por isso mesmo conferem ao texto uma riqueza particular.
A passagem do dialecto das duas primeiras peças ao italiano da terceira e a passagem das duas personagens a um pequeno núcleo familiar em A Festa, não vem alterar substancialmente a fisionomia do teatro de Scimone. Mantém-se a musicalidade do diálogo, a banalidade das coisas que as personagens parecem comunicar, mantém-se o fundo de medo e ameaça que introduz dissonacias inquietantes na plana vida quotidiana. A diferença é que neste caso não temos um par com uma ligação dada como estabelecida porque sim, mas um trio – pai, mãe, filho – que contêm tensões subterrâneas mais evidentes, um passado não resolvido e uma complexa rede de mentiras, silêncios, ódios e compromissos que poderia ser a base de um dramalhão mas que Scimone situa na mesma quotidianeidade das obras anteriores, fazendo mudar a acção (ou não-acção) para uma banal relação familiar e escondendo apenas debaixo dos seus rituais, os confltos não resolvidos e que nunca o serão. Com o olhar lúcido de um observador que se esforça – e não o conseguindo sempre – manter uma certa distância.
Ettore Capriolo – Introdução à edição do Teatro de Spiro Scimone (Ubulibri).

Nos Artistas Unidos:
2002 –
CAFÉ, um trabalho de Miguel Borges e Américo Silva, com a colaboração de Joana Bárcia (A Capital Teatro Paulo Claro); NUNZIO, um trabalho de Miguel Borges e João Meireles (Festival de Almada / Belém-Club)
2003A FESTA, um trabalho de Miguel Borges e Américo Silva (Citemor/ Teatro Taborda).
2004OS TEATROS QUE VÊM DE ITÁLIA
2005IL CORTILE de Spiro Scimone (Teatro Taborda); CONFERÊNCIA DE IMPRENSA E OUTRAS ALDRABICES de Harold Pinter, Antonio Tarantino, Arne Sierens, Antonio Onetti, Davide Enia, Duncan McLean, Enda Walsh, Finn Iunker, Irmãos Presniakov, Jon Fosse, José Maria Vieira Mendes, Jorge Silva Melo, Juan Mayorga, Letizia Russo, Marcos Barbosa, Miguel Castro Caldas, Spiro Scimone, uma canção de Boris Vian e outros ainda, encenação de Jorge Silva Melo (Teatro Nacional D. Maria II).