UM PARA O CAMINHO de Harold Pinter

Um Para o Caminho

UM PARA O CAMINHO (One for the Road) de Harold Pinter
Tradução Pedro Marques Com Jorge Silva Melo, José Airosa, Joana Bárcia , João Dourado Santos ou Miguel Sobral Cenografia e figurinos Rita Lopes Alves, Rosa Gonçalves e José Manuel Reis Luz de Pedro Domingos Encenação Pedro Marques

Estreia Espaço A Capital/ Teatro Paulo Claro, 27 de Janeiro de 2001

O texto está publicado no volume TEATRO II de Harold Pinter (Ed. Relógio d’ Água)

ONE FOR THE ROAD relaciona, em quarto curtas cenas, Nicolas, um alto governante de um estado não mencionado, com três membros de uma família que estão presos: Victor, a sua mulher Gila e o filho deles, Nicky. Nicolas personifica o poder do estado; e no decorrer das entrevistas, percebemos que Victor foi torturado e mutilado, Gila violada, e nos últimos instantes que Nicky foi morto.’ (.) Aquilo que torna a peça dramaticamente efectiva é que Nicolas, que possui todo o poder, parece menos seguro que as vítimas e anseia por uma validação para as suas acções. (.) ‘Tu tens respeito por mim, não é?’ pergunta ele. ‘Não me engano se pensar que tens, pois não?’ E outra vez ‘Gostavas de me conhecer melhor?’ e mais tarde, ‘O que é que me dizes? Somos amigos? e ‘Diz-me. a sério. estás a começar a simpatizar comigo?’ Esta não é a voz de um homem forte, mas sim de um homem fraco e inseguro. (.) Pinter não está a apenas a lidar com um processo universal – como ele referiu na altura, pelo menos noventa países praticam a tortura normalmente – mas com a separação entre linguagem e realidade que come a nossa cultura.
Michael Billington The Life and Work of Harold Pinter

Harrold Pinter. Num ensaio de O SERVIÇO para a TV reparei que para os actores era claro que o tipo que está lá em cima e que nunca é visto representa a autoridade. É porque põe a autoridade em causa que Gus é liquidado no fim da peça ou está quase a sê-lo. Na estreia, em 1960, a metáfora política era muito clara para os actores e o director. Mas não para os crírticos. Tynan nunca percebeu que a peça podia falar de uma coisa precisa. FELIZ ANIVERSÁRIO também mostra uma personagem esmagada por forças que emanam de um determinado poder. E acho que CÂMARA ARDENTE trata fundamentalmente do abuso de poder. Essas questões estavam vivas no meu espírito nesses anos. Claro que essas peças se situam ao nível da metáfora enquanto UM PARA O CAMINHO descreve uma situação mais específica, mais directa. Não é uma parábola do que quer que seja. A peça descreve uma situação em que vemos vítimas da tortura. Vemos o torcionário e as vítimas e vemos claramente que duas das vítimas foram torturadas fisicamente. (.)
Nicholas .Hern. Houve uma altura em que se disse ‘Já não posso fazer as mesmas brincadeiras que fiz com o Monty, Goldberg e McCan de FELIZ ANIVERSÁRIO ou O Wilson de O SERVIÇO ou as personagens de CÂMARA ARDENTE.
H.P. Quando escrevi UM PARA O CAMINNHO já não tinha vinte e três anos, ainda tenho, espero o sentido do cómico mas acho que não tem nada a ver com esta peça os factos a que se refere são factos que eu quero tornar públicos, quero que o grande público os conheça. Não era essa afinalidade que eu tinha ao escrever as minhas primeiras peças. Não que a minha consciência política estivesse morta durante esse tempo, mas olhava para os homens políticos, as estruturas e os actos com aquilo a que chamaria um distanciamento superior. Parecia-me inútil comprometer-me politicamente. Por isso, durante uns vinte anos ocupei-me nas minhas peças de outras investigações. (.) Dei por mim numa festa onde conheci duas raparigas turcas, duas mulheres atraentes e inteligentes, e perguntei-lhes o que é que elas achavam do recente julgamento, as condenações. e elas disseram, ‘Oh bem, provavelmente mereceram.’ ‘O que é que querem dizer com isso, porque é que eles mereceram?’ Elas disseram ‘Bom, provavelmente eram comunistas. Temos que nos defender do comunismo.’ Eu disse ‘Quando dizem provavelmente, que tipo de factos possuem?’ Claro que não possuíam factos nenhuns. Eram ignorantes, de facto. Depois perguntei-lhes se sabiam como eram as prisões militares turcas e se sabiam da tortura na Turquia, elas encolheram os ombros e disseram, ‘Bom, os comunistas são comunistas, sabia.’ ‘Mas o que é que têm a dizer sobre a tortura?’ Perguntei eu. Elas olharam para mim e uma delas disse, ‘Oh, você é um homem com uma imaginação tão grande.’ Eu disse, ‘Quer dizer que é pior para mim do que para as vítimas?’ Elas encolheram os ombros outra vez e disseram, ‘Sim, talvez.’ Em seguida, em vez de as estrangular, voltei imediatamente para casa, sentei-me e, é verdade, furioso, comecei a escrever Um para o Caminho. Foi uma coisa muito imediata. Mas não foi só isso que me levou a escrever a peça. O assunto obcecava-me. Estou cvompletamente convencido que os espectadores devem saber o que se passa no mundo em todos os domínios. Msa ao voltar dessa festa, quando me sentei para escrever só me vinha uma imagem: a de um homem e de uma vítima, a deum interrogador e da sua vítima. E limitei-me a tentar perceber o que poderia acontecer numa situação dada qual seria a atitude do interrogador face às suas vítimas? Eu estava a escrever sem pensar nos espectadores, deixei as imagens e a acção desenvolverem-se, fui até ao fim até ao fundo, tão longe quanto pude. Isso deu uma peça bastante impiedosa.
Extractos de UMA PEÇA E A SUA POLÍTICA – conversa entre Harold Pinter e Nicholas Hern

um_para_o_caminho_bUm ano depois da estreia de Um para o Caminho, em Março de 1985, Pinter e Arthur Miller, vice-presidentes do PEN inglês e americano respectivamente, passaram cinco dias na Turquia com o objectivo inicial de exprimir solidariedade para com os escritores dissidentes. Uma visita que iria ter repercussões infindáveis tanto no interior como no exterior do país. Enquanto estiveram na Turquia, Pinter e Miller falaram com mais de uma centena de intelectuais, ex-presidiários, políticos e diplomatas. Apareceram na Associação de Jornalistas de Istambul com uma petição assinada por 2330 escritores, cientistas e eclesiásticos exigindo o respeito internacional pelos direitos humanos. (.) A Turquia teve sempre problemas para decidir o que fazer com os seus prisioneiros: em vez de tomarem uma decisão, espancam-nos. Fomos com a esperança de chamar a atenção para isso e o Harold foi uma revolução: o homem-revolução na Turquia. O que aconteceu foi que, já que os Estados Unidos são o financiador do país – a Turquia é um dos dois ou três maiores receptores de ajuda americana desde que têm uma grande fronteira com a União Soviética – tivemos um jantar com o embaixador americano que acabou por ser histórico. O que aconteceu foi que eu estava sentado junto à esposa do embaixador e estava tudo muito formal e civilizado quando ouvi o Harold a vociferar do outro lado da mesa. Ele gritava por cima da mesa para a editora do maior jornal da Turquia que, ao que parecia, tinha dito que nós só lá estávamos por causa da publicidade. O Harold disse, ‘Eu atiro isso de volta à sua cara’: ainda bem que ele só disse isto figurativamente. Tive que fazer um pequeno discurso ao embaixador explicando a catástrofe que a Turquia era aos nossos olhos, e o Harold e eu. não fomos exactamente expulsos. escapámos no final do jantar. E, quando embarcámos no avião no final da viagem, descobri que tínhamos sido banidos. eu nunca teria feito aquilo que o Harold fez porque sou muito educado, mas ele foi extraordinário. Nós fazíamos um bom par porque ele explodia e eu implodia. Nós éramos o mau tipo e o bom tipo. O FBI e a polícia mandam normalmente um par assim: um deles ameaça e o outro torna-se amigo. Eu era o amigo. Mas achei que o Harold se portou magnificamente como sempre. Eu só não queria era estar no outro lado da fúria dele.
Michael Billington The Life and the Work of Harold Pinter

Nicolas fica alegre quando subverte os poderes de um intelectual e ganha supremacia sobre Victor quando informa que os seus soldados ‘mijaram’ nos livros dele. Mas será por acaso que o nome de Victor é Victor? Será ele vitorioso em algum sentido? A existir alguma vitória ela só poderá residir na atenção do público, que engendrará a acção.
Penelope Prentice The Pinter Ethic