Descrição
Livrinhos de Teatro nº 24 Artistas Unidos/ Livros Cotovia
A MINHA MULHER
A Minha Mulher, que venceu o Prémio António José da Silva, é a segunda parte de uma trilogia. Qual é o fio condutor destas três peças – O Avarento, A Minha Mulher e Onde Vamos Morar?
A ordem seria A Minha Mulher, O Avarento e Onde Vamos Morar. Pais e filhos seria o tema comum. Abri com A Minha Mulher, abordando o tema de um modo mais particular, mais “familiar”, e tentando pensar sobre a relação entre pais e filhos no meu tempo e no meu país. Há tempos ouvi Bruno Tackels, crítico e filósofo francês, numa conferência dedicada ao dramaturgo Jean-Luc Lagarce, falar de uma geração sem pais, ou onde os filhos se acham de certo modo órfãos, porque o “pai” deixou de desempenhar o papel de muro a abater. É um pai que não quer ser pai. É esse o doce dilema da minha geração, parece-me. Se em A Minha Mulher o filho se acha incapaz de abater o pai, sucumbindo ele próprio perante o seu dilema, em O Avarento o filho expulsa o pai de casa criando um espaço para si. Já em Onde Vamos Morar a reconciliação parece ser o mote, embora a orfandade tenha nessa peça maior peso do que nas outras duas. Isto é o que está por trás destas peças, mas preferia que não se tomasse esta informação como normativa e implacavelmente verdadeira.
(…) A ideia da repetição surge na escrita de A Minha Mulher, que abre a trilogia. As outras duas peças surgem depois contagiadas por esta ideia. Apareceu como mecanismo de escrita (sempre quis fazer uma peça inspirada na ideia das “Variações” musicais – e Bach será o exemplo mais conhecido). Interessava-me trabalhar uma segunda parte da peça que repetisse a primeira, cujas cenas começassem em ambas as partes com as mesmas falas, mas uma pequena variação contribuísse para uma guinada e um acrescento narrativo. Apareceu depois Kierkegaard que me ajudou a ligar a ideia da repetição à ideia da recordação. Quando recordamos estamos necessariamente a repetir, só que há sempre qualquer coisa que falha, porque não há recordação perfeita, sobretudo a partir do momento em que a linguagem, elemento necessário e intermediário, se interpõe para concretizar.
O teatro é ‘o evento’, único, irrepetível, Entrevista a José Maria Vieira Mendes por Margarida Gil dos Reis